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Por José Pardal Pina
A planta que nasce por entre as fendas do betão é um triunfo do cosmos. Com o tempo, o inerte cede ao desgaste do que por ele passa; o vento traz a poeira necessária para a germinação; o acaso, trazido por uma ave, chutado pelo pé, empurrado pela água, deposita a semente que brota sobre o cinzento artificial.
A vita activa tolda-nos o olhar contemplativo e sonega todo e qualquer devaneio possível. A imaginação tem um propósito capital e nunca prazeirento. O bulício da produção e da atividade, dos fluxos e dos horários, deprime e esgota. Não há lugar para a indolência, para o vagar. Escapa-se-nos a planta que nasce por entre as fendas do betão, a árvore que espreita por entre os edifícios, a flor nos buracos da calçada. Indiferentes a corpos estranhos e a existências diferentes das nossas, escapa-se-nos a comovente indiferença da natureza a tudo o que o homem produz. O drama da ecologia é o homem esquecer que faz parte da natureza.
Em Walden ou A Vida nos Bosques, Henry David Thoreau escreve a sua experiência ascética e simbiótica com a natureza. Thoreau estabelece inicialmente a economia mais doméstica do quotidiano no bosque e nas margens do Lago Walden, para dissertar depois sobre o trabalho e a vida no campo. Mas é a sua visão crítica sobre os tempos da natureza e do homem que estimulam o leitor. Walden faz o que Byung-Chul Han poderia chamar de pedagogia da visão. Sob o olhar atento e vivo de Thoreau, lembramos o prazer da natureza e nela a verdadeira possibilidade de liberdade.
A obra de Jorge Santos tem trabalhado esta tensão entre natureza e cultura, entre o orgânico e o inorgânico, entre campo e cidade. Está na mesma linha de pensamento romântico de Thoreau, mas os caprichos da modernidade situam-no também na visão contemporânea do universo e do que de melhor pode ser resgatado do passado para ser novamente refletido no presente e no futuro.
A linguagem plástica da pintura é também a da atualidade: as formas são as estritamente necessárias e a sugestão tem mais poder que a concretude – adensando alguma da sensualidade das formas e dos temas representados. Nessa sugestão cabe o fascínio pelo botânico e pelos lugares; cabe a surpresa no virar da esquina e o estudo minucioso dos cortes e recortes, do cheio e do vazio; cabem o tempo e o espaço espalmados no papel e, portanto, a duração de um momento, seja ele fugidio ou vagaroso. O desenho vinga sob a profusão que podia ser a pintura. A cor é o elemento diferenciador da materialidade e a gradação de tons num mesmo plano é um trabalho recente. A obra vive, então, desta ambiguidade de campos plásticos, de não saber se é mais desenho ou se é mais pintura. Mas é aí que reside justamente o interesse da sua obra.
A exposição que Santos agora apresenta no novo espaço da Abreu Advogados é um compêndio das linguagens, gramáticas e léxicos que o artista tem vindo a explorar ao longo dos tempos. Em Flower Ornament relembra-se a aproximação às artes decorativas e ao diálogo com a Fundação Ricardo Espírito Santo; em Sun Around the House recorda-se a sala improvisada no espaço galerístico A Montanha. Estes são, todavia, detalhes de um portefólio bem mais vasto, que extravasa a planaridade do papel ou a quietude das formas. A série Trepadeira é uma composição tridimensional de várias pinturas, e em Bucólico há uma curiosa experiência em vídeo, que, não obstante a expressão da imagem em movimento, está mais próximo da pintura (e, depois, do desenho) que qualquer outro projeto fílmico.
Ressalta, contudo, a beleza das atmosferas: o calor sobre os canaviais, as janelas que se abrem para a vegetação densa, o mistério das plantas, das árvores, da natureza; o prazer ocioso que deixa ver o sol e o tempo passarem; a indulgência da ordem natural que perdoa e borra a incúria humana. Deste modo, as obras de Jorge Santos são, para o espectador, um guia do olhar, um convite à meditação, que inspira, como toda a arte, a viragem da vita activa para a vita contemplativa. No fundo, a sua obra é o que Nietzsche referiu em Crepúsculo dos Deuses e que o já mencionado Byung-Chul Han reciclou: “acostumar o olho à serenidade, à paciência, ao paulatino aproximar das coisas”.
Subordinada ao tema da Natureza, e já na terceira mostra de 2019, a exposição de Jorge Santos, com a curadoria de Lourenço Egreja, é uma colaboração entre o Carpe Diem Arte e Pesquisa e a Abreu Advogados e pode ser visitada até 28 de fevereiro.
In Umbigo Magazine, http://umbigomagazine.com/pt/blog/2020/01/17/a-natureza-segundo-jorge-santos-na-abreu-advogados/[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][:en][vc_row][vc_column width=”1/1″][vc_column_text css=”.vc_custom_1585853802689{margin-right: 20px !important;margin-left: 20px !important;padding-top: 70px !important;padding-bottom: 70px !important;}”]
Por José Pardal Pina
A planta que nasce por entre as fendas do betão é um triunfo do cosmos. Com o tempo, o inerte cede ao desgaste do que por ele passa; o vento traz a poeira necessária para a germinação; o acaso, trazido por uma ave, chutado pelo pé, empurrado pela água, deposita a semente que brota sobre o cinzento artificial.
A vita activa tolda-nos o olhar contemplativo e sonega todo e qualquer devaneio possível. A imaginação tem um propósito capital e nunca prazeirento. O bulício da produção e da atividade, dos fluxos e dos horários, deprime e esgota. Não há lugar para a indolência, para o vagar. Escapa-se-nos a planta que nasce por entre as fendas do betão, a árvore que espreita por entre os edifícios, a flor nos buracos da calçada. Indiferentes a corpos estranhos e a existências diferentes das nossas, escapa-se-nos a comovente indiferença da natureza a tudo o que o homem produz. O drama da ecologia é o homem esquecer que faz parte da natureza.
Em Walden ou A Vida nos Bosques, Henry David Thoreau escreve a sua experiência ascética e simbiótica com a natureza. Thoreau estabelece inicialmente a economia mais doméstica do quotidiano no bosque e nas margens do Lago Walden, para dissertar depois sobre o trabalho e a vida no campo. Mas é a sua visão crítica sobre os tempos da natureza e do homem que estimulam o leitor. Walden faz o que Byung-Chul Han poderia chamar de pedagogia da visão. Sob o olhar atento e vivo de Thoreau, lembramos o prazer da natureza e nela a verdadeira possibilidade de liberdade.
A obra de Jorge Santos tem trabalhado esta tensão entre natureza e cultura, entre o orgânico e o inorgânico, entre campo e cidade. Está na mesma linha de pensamento romântico de Thoreau, mas os caprichos da modernidade situam-no também na visão contemporânea do universo e do que de melhor pode ser resgatado do passado para ser novamente refletido no presente e no futuro.
A linguagem plástica da pintura é também a da atualidade: as formas são as estritamente necessárias e a sugestão tem mais poder que a concretude – adensando alguma da sensualidade das formas e dos temas representados. Nessa sugestão cabe o fascínio pelo botânico e pelos lugares; cabe a surpresa no virar da esquina e o estudo minucioso dos cortes e recortes, do cheio e do vazio; cabem o tempo e o espaço espalmados no papel e, portanto, a duração de um momento, seja ele fugidio ou vagaroso. O desenho vinga sob a profusão que podia ser a pintura. A cor é o elemento diferenciador da materialidade e a gradação de tons num mesmo plano é um trabalho recente. A obra vive, então, desta ambiguidade de campos plásticos, de não saber se é mais desenho ou se é mais pintura. Mas é aí que reside justamente o interesse da sua obra.
A exposição que Santos agora apresenta no novo espaço da Abreu Advogados é um compêndio das linguagens, gramáticas e léxicos que o artista tem vindo a explorar ao longo dos tempos. Em Flower Ornament relembra-se a aproximação às artes decorativas e ao diálogo com a Fundação Ricardo Espírito Santo; em Sun Around the House recorda-se a sala improvisada no espaço galerístico A Montanha. Estes são, todavia, detalhes de um portefólio bem mais vasto, que extravasa a planaridade do papel ou a quietude das formas. A série Trepadeira é uma composição tridimensional de várias pinturas, e em Bucólico há uma curiosa experiência em vídeo, que, não obstante a expressão da imagem em movimento, está mais próximo da pintura (e, depois, do desenho) que qualquer outro projeto fílmico.
Ressalta, contudo, a beleza das atmosferas: o calor sobre os canaviais, as janelas que se abrem para a vegetação densa, o mistério das plantas, das árvores, da natureza; o prazer ocioso que deixa ver o sol e o tempo passarem; a indulgência da ordem natural que perdoa e borra a incúria humana. Deste modo, as obras de Jorge Santos são, para o espectador, um guia do olhar, um convite à meditação, que inspira, como toda a arte, a viragem da vita activa para a vita contemplativa. No fundo, a sua obra é o que Nietzsche referiu em Crepúsculo dos Deuses e que o já mencionado Byung-Chul Han reciclou: “acostumar o olho à serenidade, à paciência, ao paulatino aproximar das coisas”.
Subordinada ao tema da Natureza, e já na terceira mostra de 2019, a exposição de Jorge Santos, com a curadoria de Lourenço Egreja, é uma colaboração entre o Carpe Diem Arte e Pesquisa e a Abreu Advogados e pode ser visitada até 28 de fevereiro.
In Umbigo Magazine, http://umbigomagazine.com/pt/blog/2020/01/17/a-natureza-segundo-jorge-santos-na-abreu-advogados/[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][:]