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Vitrine, de Jorge Santos

por José Pardal Pina

 

Senta-te e vê o tempo passar na sala, no quarto, no escritório, no atelier – uma pedra atenta ao lado de uma janela.

Espera pelo lusco-fusco e pela luz rasante, dourada, alaranjada.

Vê os raios desenhados na parede, as sombras projetadas dos objetos acumulados; vê os flocos de pó a descerem lentamente e a brilharem na luz.

O pontilhado luminoso da persiana, transposto o véu de cortinado ondulante, mexe-se na vagareza do fim de tarde melancólico e de um sol que tem todo o tempo do universo.

As sombras do arvoredo dançante animam e perturbam a quietude aparente.

Espera até o peso da existência pedrada ser sacudida pelos gritos, os sons e o movimento lá fora.

Senta-te e vê o tempo passar, outra vez, na sedação das obrigações adiadas, a contemplar uma existência que não vale de nada.

 

A arte é muitas vezes um estudo fenomenológico sobre as coisas no mundo – uma experiência imersiva, radical, dos fenómenos que compõem o tempo, o espaço e a vida. Uma anotação de um momento, a dilatação – poética, se quisermos – de uma fração temporal, ínfima, microscópica, que se afigurou tocante e bela. Se é que a beleza ainda importa…

Jorge Santos transporta esta análise fenomenológica do espaço habitado para a arte com a exposição Vitrine. A vitrine é algo que expõe e que complexifica as relações interior/exterior, mas também, e objetivamente, algo que separa. Escolhemos sempre o que mostrar nesta vitrine: uma encenação fundamental necessária à sobrevivência social.

Os grandes elementos estão lá como que retirados, em certa medida, da Poética do Espaço de Gaston Bachelard. Os desenhos de luz e sombra, a subtração das formas, as cortinas brise-soleil, o biombo, a hipótese de uma animação interior e depois, claro, a absoluta sinalização entre exterior e interior, público e privado.

A bidimensionalidade formal das obras reduz ao essencial. Certamente podemos entender esta exposição como uma grande instalação-ambiente que facilmente se de compõe e decompõe mentalmente nas várias dimensões do habitar-o-espaço. Mas é a pintura, consubstanciada em puros exercícios de cor, que importa ressalvar. Vivemos (n)uma pintura, (n)uma imagem plana, imortalizada, da casa, do lar.

A técnica é recorrente no artista, mas alcança aqui uma pregnância considerável ao voltar o olhar para o núcleo básico da vida. Se antes os cutouts, os recortes contrastantes de referenciais, se dirigiam para de fora para dentro – do transeunte, errante, que observa as janelas das ruas e tenta adivinhar a vivência do interior –, ou do nervurado e rendilhado formado por motivos vegetais, agora, Santos faz incidir o campo indagatório exclusivamente para dentro. Uma introspeção reclusa que colhe apenas de fora o mais essencial: a luz e a cor.

É curioso contemplar a exposição do ponto de vista formal, senão mesmo formalista, ou, em alternativa, do ponto de vista gestáltico e da psicologia e perceção das formas e das cores. Do que constitui primeiros e segundos planos, da tridimensionalidade espalmada e da completude das formas que é aqui apenas sugerida de modo estilizado: da janela que não se vê, porque não está representada, mas que se adivinha pelos recortes e planos de luz; da sombra projetada e da sombra própria do gradeamento, duplamente apresentado; das distâncias, das proximidades, das medidas das coisas tendo em conta as representações.

A familiaridade da composição e das temáticas inferem uma subjetividade percetiva por parte dos espetadores. A conclusão é manifesto dessa familiaridade e da intensidade com que cada um vive o espaço que habita.

Para ver até dia 7 de outubro, na galeria A Montanha.

IN: http://umbigomagazine.com/pt/blog/2018/10/03/vitrine-de-jorge-santos-2/[/vc_column_text][/vc_column][vc_column width=”1/3″][/vc_column][/vc_row][:en][vc_row][vc_column width=”2/3″][vc_column_text]

 

Vitrine, by Jorge Santos

by José Pardal Pina

 

Sit down and watch the time go by in the living room, in the bedroom, in the office, in the studio – an attentive stone by the side of a window.

Wait for the twilight and the low, golden, orange light.

Watch the sunrays drawn on the wall, the projected shadows of the accumulated objects; see the dust flakes slowly come down and shine under the light.

The glowing dots of the shutter, beyond the veil of the undulating curtain, move along the late afternoon’s melancholy and a sun that has all the time in the universe.

The shadows of the dancing grove give life and disturb the superficial stillness.

Wait until the weight of the stoned existence is troubled by the yelling, the sounds and the movement outside.

Sit down and watch the time pass by, yet again, amid the sedation of postponed obligations, to contemplate a worthless existence.

Art is often a phenomenological study of the worldly things – an immersive, radical experience of the phenomena that constitute time, space and life. An annotation of a moment, the dilation – poetic, if we want to – of a fraction of time, minuscule, microscopic, speciously touching and beautiful. When beauty still mattered…

With the exhibition Vitrine, Jorge Santos takes this phenomenological analysis of the inhabited space into art. This vitrine displays and complexifies the interior/exterior relationship, whilst providing its nature as a dividing element. We have always chosen what to show in this vitrine: a crucial play-acting for social survival.

The major elements are present, as if somehow removed from Gaston Bachelard’s The Poetics of Space. The light and shadow drawings, the subtraction of forms, the brise-soleil curtains, the folding screen, the hypothesis of an interior animation; and then, of course, the absolute signage between the exterior and the interior, the public and the private.

The formal two-dimensionality of the works has a stripped-down approach. We can perceive this exhibition as a great installation-environment that easily composes and decomposes into the several dimensions of dwelling-in-space from a mental standpoint. But it is the painting, consubstantiated in pure exercises colour-drenched exercises, that deserves the spotlight. We live (in) a painting, (in) a flat picture, immortalized, of the house, the home.

The technique is often found in this artist, but has a different dimension here, focusing on the basic elements of life. Before, the benchmark cut-outs moved in and out – from the erratic bystander, who stares at the windows and tries to guess the experience taking place inside – or between the ribbed and traced element formed by plant motifs, now Santos only minds the inner side. A reclusive insight that reaps the most basic: light and colour.

Contemplating the exhibition from a formal point of view is something curious, borderline formalist, or, alternatively, from the gestaltic perspective, and through the psychology and perception of shapes and colours. Of what constitutes first and second planes, of the three-dimensional flatness and completeness of forms, which is suggested in a stylized way: of the unseen window, as it is not depicted, but whose presence can be perceived due to the cut-outs and light planes; of the projected shadow and the shadow of the railing itself, doubly displayed; of the distances, of the spaces nearby, of the measures of things considering the representations.

The familiarity of the composition and the themes imply a perceptive subjectivity on the viewers’ side. The conclusion is a manifesto of this familiarity and intensity, with which each individual lives the space they inhabit.

To see until October 7, in the gallery A Montanha.

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